O Bicho-enteado
Os
ricos e os pobres ganhavam vozes
naquele
ano apocalíptico e por isso sem luzes
Alguns
abonavam os americanos monges
como
os redentores da Terra nos seus
dizeres;
e
os outros, as chinesas mentes
Mas
a autenticidade estava nas africanas preces
O
temor e a incerteza prosperavam como imbondeiro enfeitiçado
As
mãozinhas, as mãos e as mãozonas
ficavam
tão transparentes de tanto sabão e gel aplicadas,
para
afugentar o bicho-enteado
Contudo,
nós africanos, não criávamos bichos-enteados
como
os nossos bichos autênticos,
porque
o bicho-enteado tem comido o que não
resta
Ele
não saciava, ameaçava a nossa espécie modesta
Os
números vitimários brotavam como sementes de couve
nos
nossos rios: Lúrio, Zambeze e Save
Nasciam
mais bichos-enteados na nossa Terra
multiplicando-se
como formigas após descobrir mapira
Pelos
bichos-enteados, os nossos vizinhos e
conhecidos tinham sido devorados,
obtendo
o mesmo denominador e numerador genotípicos
A
partir daí, suspeitávamo-nos uns aos outros
pela
tempestade da saliva oriunda da boca,
pela
tosse enraivada e seca,
pela
temperatura ardente e voraz da testa
Não
mais cumprimentávamo-nos com o beijo das mãos
Não
mais esfregávamo-nos com calor do abraço da pele do carvão
Tudo
era suspeito
De
nós, o bicho-enteado precisava de muito jeito
ao cozinhar, ao chorar, ao amar, ao tossir, ao vestir, ao comprar…
Enfim,
África precisava do seu poder supersticioso
de
emendar,
de
prevenir e
de
curar
Helton Elias (2020)
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